O Prêmio Periferia Viva é uma iniciativa do Ministério das Cidades, através da Secretaria Nacional de Periferias, do Governo Federal, que tem como objetivo reconhecer, valorizar, potencializar e premiar iniciativas populares, de assessorias técnicas e de entes públicos governamentais que estejam em andamento, e que promovem enfrentamento da desigualdade socioespacial e a potencialização e transformação dos territórios periféricos.
Dentre as milhares de iniciativas populares que submeteram projetos para apreciação, o I-Elos Invisíveis foi classificado entre os 579 melhores projetos do país e entre os 20 melhores da região Sul.
Apenas as primeiras 150 iniciativas classificadas foram contempladas com a premiação em dinheiro.
Mesmo sem o repasse de recursos, ficamos imensamente felizes com o reconhecimento de um trabalho que vem sendo desenvolvido a muitas mãos pelas comunidades carentes do Estado e que vem impactando milhares de pessoas em situação de vulnerabilidade social.
IMPORTÂNCIA DO TRABALHO REALIZADO NA VILA PANTANAL
A premiação reconheceu a importância do trabalho de educação em direitos humanos realizado pelo I-Elos Invisíveis em comunidades carentes, notadamente aquele desenvolvido na Vila Pantanal, no Alto Boqueirão, em Curitiba.
O I-Elos Invisíveis desenvolve suas atividades no Alto Boqueirão, com ênfase da atuação na Vila Pantanal, atendendo pessoas em situação de vulnerabilidade social que, em sua grande maioria, trabalham na informalidade e são beneficiárias, direta ou indiretamente, da reciclagem.
É oportuno destacar que o Alto Boqueirão integra a Regional Boqueirão, que é composta pelos bairros Hauer, Xaxim, Boqueirão e Alto Boqueirão. A Regional Boqueirão localiza-se ao sul da cidade, fazendo divisa com o Município de São José dos Pinhais.
Segundo censo realizado em 2021 pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba – IPPUC[1], no Alto Boqueirão, região atendida pelo I-Elos Invisíveis, estima-se que a população em 2020 seria de aproximadamente 56.678 pessoas, sendo o 5º bairro mais populoso de Curitiba.
Segundo dados do IPPUC, a maioria da população da regional é branca (79,48%), seguida de pardos (16,53), pretos (2,89%), amarelos (0,93%) e indígenas (0,17%). A pirâmide etária da Regional Alto Boqueirão revela que a maioria da população tem entre 10 e 59 anos e um percentual de 96,98% de alfabetizados, com idade superior a 5 anos.
A desigualdade de gênero no rendimento das pessoas responsáveis pelo domicílio no bairro do Alto Boqueirão é um ponto a ser destacado, uma vez que o rendimento dos responsáveis do sexo feminino foi significativamente inferior, correspondendo a 55% do rendimento dos responsáveis homens.
Muito embora o Boqueirão concentre 37,46% dos domicílios particulares vulneráveis a pobreza situados na regional, é no Alto Boqueirão em que se localiza a maior proporção de domicílios vulneráveis à pobreza, cerca de 12%, segundo dados do IPPUC[2].
A Regional Boqueirão, segundo dados da COHAB de 2016[3], possui 31 assentamentos irregulares, que ocupavam uma área de 62,8 hectares, ou o equivalente a 5,7% da área total de assentamentos irregulares em Curitiba, sendo a quarta regional com menor expressividade numérica e com menor área total de assentamentos irregulares no município.
Dos 31 assentamentos da regional, 27 são do tipo ocupação irregular, que ocorre de forma espontânea, e 4 do tipo loteamento clandestino. Quando verificado pela distribuição entre os bairros, chama a atenção o Alto Boqueirão, que totaliza 14 assentamentos irregulares, dos quais 11 são ocupações irregulares (a Vila Pantanal é uma das ocupações irregulares) e 3 são loteamentos clandestinos.
A realidade da Vila Pantanal, localizada no bairro Alto Boqueirão e local onde se concentra o maior número de ações desenvolvidas pelo I-Elos Invisíveis, é um pouco mais alarmante quando se fala em vulnerabilidade social.
A Vila Pantanal é formada por duas áreas, sendo a primeira a noroeste da linha da rede ferroviária e a segunda ao sudeste da linha férrea, adjacente ao Parque Estadual do Iguaçu.
Segundo informações da Prefeitura de Curitiba, em relatório da COHAB de 2020, a Vila Pantanal apresentava em 2018 aproximadamente 4,5 mil habitantes, sendo identificadas 765 famílias, das quais 272 foram reassentadas, 117 estavam no aguardo de reassentamento e 376 estavam no aguardo de regularização.
Ainda, segundo o IBGE (Censo 2022), a Vila Pantanal apresenta uma população de 2.653 habitantes, sendo que 100% apresentam algum tipo de vulnerabilidade pessoal ou social. O rendimento domiciliar per capita não ultrapassa um salário-mínimo, sendo que, em 38% dos lares o rendimento mensal não ultrapassa ½ salário-mínimo, revelando o alto grau de vulnerabilidade à pobreza.
Segundo dados do IBGE (Censo 2022[4]), apenas 25,78% das casas têm acesso à rede de esgoto. No local há coleta de lixo e acesso à água tratada (99,13% dos domicílios).
Dentro da Vila Pantanal, existem alguns equipamentos públicos (urbanos e comunitários). No local há: a) CMEI PANTANAL; b) Unidade de Saúde Pantanal; c) Escola de Ensino Fundamental Jornalista Arnaldo Alves; d) Horta Comunitária; e) Academia ao ar livre (desativada); f) Cancha de Futebol de areia na entrada da comunidade (em reforma); g) Barracão Ecocidadão Pantanal.
É importante destacar que no local há conflito de facções rivais e regras bem delimitadas para que trabalhos sociais possam ser desenvolvidos, principalmente quando se refere à temática de drogas. Há histórico de enchentes e alagamentos.
Dentro da Vila Pantanal não há organizações da sociedade civil formalizadas, apenas lideranças locais que auxiliam na realização de projetos e ações sociais.
Da população do local, aproximadamente 75% (setenta e cinco por cento) das famílias vivem da comercialização de resíduos, segundo a COHAB, um total de 530 famílias.
Embora uma parte dos catadores de recicláveis da região esteja, atualmente, atuando em cooperativas e associações da região, a maioria trabalha nas ruas em condições extremamente precárias e insalubres, de forma independente. Esse trabalho representa, na maioria das vezes, a única alternativa de subsistência para essas pessoas que foram historicamente excluídas do trabalho formal, permanecem em situação de extrema pobreza e são estigmatizadas por sobreviverem dos restos descartados pela sociedade de consumo.
A maioria dos catadores não dispõem de equipamentos de segurança adequados e os carrinhos utilizados são bastante precários. A jornada de trabalho ultrapassa 8 horas diárias e 44 horas semanais.
O trabalho realizado requer grande esforço físico, geralmente realizado sem os equipamentos de proteção individual e com exposição aos gases tóxicos produzidos pela decomposição do material. São situações que ocorrem nesse território e acarretam vulnerabilidade social e risco à vida e à segurança das pessoas que vivem da coleta.
Na Vila Pantanal há apenas uma associação de catadores de material reciclável, que é cadastrado no Programa Ecocidadão da Prefeitura Municipal de Curitiba[5], da Secretaria Municipal do Meio Ambiente – SMMA. Em 2012, na Vila Pantanal, foi construído o barracão, via contrato de concessão de colaboração financeira não reembolsável com o BNDES, iniciando a organização com 25 catadores. Atualmente estão ativos 18 catadores de material reciclável. A associação recebe materiais recicláveis dos caminhões da prefeitura e da Rua da Cidadania do Boqueirão.
Esse cenário revela que a maioria dos catadores da região vendem os recicláveis na região do Alto Boqueirão para dois ou três Barracões, que monopolizam o mercado e compram os materiais a preços aviltantes. Ex. alumínio (R$ 5,00/Kg); plástico misto (R$ 0,50/KG); garrafa pet (R$ 1,00); papelão (R$ 0,30/Kg); terceiro (R$ 0,30/Kg), caixa de leite (R$ 0,10/kg).
Embora sem dados oficiais precisos, sabe-se que muitas mulheres são responsáveis pela atividade de coleta na região. As catadoras, além de estarem submetidas às vulnerabilidades sociais, econômicas e relativas à saúde, ainda se encontram expostas aos mais variados preconceitos relacionados ao seu trabalho, à sua classe, ao seu gênero e a sua etnia, cenário propício para compreender que essa situação de subordinação e exploração está ligada ao processo histórico atrelado ao sistema patriarcal.
A baixa escolaridade e a dificuldade para se inserir no mercado formal de trabalho, entre outras razões, são fatores que contribuem para que as mulheres busquem estratégias de sobrevivência na coleta de recicláveis que, mesmo sendo uma atividade pesada, insalubre e com baixa remuneração, é a única ou a última alternativa para suprir as necessidades mais básicas de sobrevivência.
Em verdade, as catadoras estão envolvidas em uma trama patriarcal e capitalista que, se analisada sob o viés de gênero, raça e classe social, evidencia a necessidade de implementação de projetos que possam auxiliá-las no processo de empoderamento, através de um trabalho educativo, de sensibilização e de convencimento sobre as opressões de gênero.
[1] Acesso em: https://ippuc.org.br/storage/uploads/b4f30fea-00ca-498d-be5f-d727a0fc8778/bq_-_diagnostico_2021_-_dig.pdf
[2] Acesso em: https://ippuc.org.br/storage/uploads/b4f30fea-00ca-498d-be5f-d727a0fc8778/bq_-_diagnostico_2021_-_dig.pdf)
[5] Acesso em: https://www.curitiba.pr.gov.br/servicos/ecocidadao-separacao-materiais-reutilizaveis/398
EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS PARA MULHERES E CRIANÇAS EM SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE SOCIAL
O I-Elos Invisíveis atua no Alto Boqueirão e Vila Pantanal desde 2020 e, desde então, já realizou dezenas de ações no local, beneficiando milhares de moradores em situação de vulnerabilidade social, a maioria mulheres e crianças, que direta ou indiretamente são beneficiadas da cadeia de reciclagem praticada na região.
O trabalho que é feito no local é de empoderamento e de articulação com os atores locais, visando fortalecer as instituições e lideranças locais, criando redes comunitárias de apoio e resgatando a cidadania de pessoas que estão à margem do direito e invisibilizados pelo Estado.
São ministradas palestras e rodas de conversa, atividades culturais, educacionais e de inclusão, principalmente para mulheres, visando auxiliá-las no processo de empoderamento, através de um trabalho educativo, de sensibilização e de convencimento sobre as opressões, principalmente de gênero.
Todo o trabalho realizado pelo I-Elos Invisíveis é realizado por voluntários e são viabilizados por parcerias com empresas e convênio com lideranças locais - como Ivonete Oliveira, do Projeto Casa de Débora; Associação Superação (Santo Inácio); Rotary Clube e Escola Municipal Jornalista Arnaldo Alves da Cruz. Não há repasse de recursos públicos ou privados até o presente momento.
Desde o início dos trabalhos pelo I-Elos Invisíveis, foram realizadas 24 ações no Projeto Casa de Débora, 4 eventos na Escola Municipal Jornalista Arnaldo Alves da Cruz, 1 evento no Rotary Clube e 2 eventos na Associação Superação, milhares de moradores foram beneficiados pelas ações do I-Elos Invisíveis, em sua maioria mulheres, crianças e adolescentes, cujos registros encontram-se disponíveis em nosso site, na aba de ações e de notícias.
A região mencionada já foi palco da execução dos programas de combate à violência doméstica e familiar, combate à pobreza menstrual, clubinho de leitura e enfrentamento ao abuso e exploração sexual infantil.
Tais programas desenvolvidos e implementados na Vila Pantanal se alinham às áreas de atuação do Fundo de Populações das Nações Unidas - UNFPA, como, por exemplo, saúde sexual e reprodutiva e direitos; enfrentamento de violência de gênero e comunicação para direitos humanos, razão pela qual o I-Elos Invisíveis foi contemplado por um edital que repassou verba para a compra de uma estrutura itinerante que, agora, é utilizada para a realização das ações.
O Programa de Combate à Violência Doméstica e Familiar, por exemplo, contemplou a realização de rodas de conversas e palestras ministradas para mulheres em situação de vulnerabilidade social (na sua grande maioria jovens), visando o enfrentamento à violência de gênero, o conhecimento e empoderamento, através da construção de redes comunitárias de apoio e uma consciência coletiva acerca das temáticas abordadas.
O Programa de Combate à Pobreza Menstrual, por sua vez, contemplou a realização de rodas de conversas e palestras ministradas para mulheres em situação de vulnerabilidade social (na sua grande maioria jovens), visando abordar questões como saúde sexual e reprodutiva, direitos reprodutivos, com foco no conhecimento e empoderamento.
Ambos os programas têm em comum a busca por uma verdadeira equidade de gênero e a comunicação para direitos humanos. Além dos programas de educação em direitos, a região recebe ações recorrentes, como de combate à fome, campanha de inverno, páscoa, volta às aulas, dia das mulheres, dia das mães, dia das crianças e natal, realizadas pelo I-Elos Invisíveis com o apoio do Projeto Casa de Débora, Associação Superação, Rotary Clube e Escola de Ensino Fundamental Jornalista Arnaldo Alves da Cruz, que cedem os respectivos espaços para a realização dos eventos.
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